O Evangelho Vintage de Tiago

Fotografia Vintage de Tim Jarosz

Tiago 1.1

Tiago, servo de Deus e do Senhor Jesus Cristo, às doze tribos dispersas entre as nações: Saudações.

Vintagismo e cultura retrô

Você já notou algo diferente na forma de algumas pessoas se vestirem, se maquiarem e usarem o cabelo? Já percebeu, por exemplo, as novas tendências nas decorações e nos designes dos carros? Há uma mistura de estilos, baseados no rústico e no contemporâneo, no antigo e no moderno. São as pitadinhas de vintage e de retro no cotidiano de todo mundo.

Peças diversas, eletrodomésticos, roupas, acessórios, sapatos, móveis, músicas, motos, carros, etc. Tudo inspirado no comportamento, nas coisas e nos costumes característicos de determinado período e que marcaram época. Chama-se isso de vintage e de retrô. Mas, qual é diferença entre eles?

O significado de “vintage” vem do nome dado a boas colheitas de vinhos. A palavra vem de “vint”, relativo à safra de uvas, e de “age”, obviamente de idade. Assim, quanto mais velho melhor. No dicionário encontramos as seguintes definições:

    Vintage (palavra inglesa)

    [Enologia] Ano de boa colheita vinícola. Diz-se de vinho fino de uma só colheita, produzido em ano de reconhecida qualidade, (…) Excepcionais, retinto e encorpado, de aroma e paladar muito finos e reconhecido como tal pelo Instituto de Vinho do Porto.

    Diz-se de produto antigo mas de excelente qualidade (ex.: mobiliário vintage, sapatos vintage).

“Retrô” significa “para trás”. É uma releitura do passado, uma retrospectiva daquilo que já foi visto. É um produto ou peça lançada atualmente com aparência antiga, uma releitura perfeita de estilo antigo. No dicionário encontramos:

    Retrô (palavra francesa)

    Que imita um estilo passado ou anterior. = RETRO

Portanto, vintage e retrô remetem ao passado. Vintage é usado ou antigo. Retrô é novo e imita o vintage, que é “antigo mas de excelente qualidade”.

Cristianismo vintage

Pois bem, já que está na moda ser vintage e retrô, o nosso objetivo é buscar o melhor do cristianismo no que há para nós de mais antigo e disponível. É o “cristianismo vintage”. Não é retrô porque não pode ser uma mera imitação. É vintage porque é “antigo mas de excelente qualidade”. Aliás, é da melhor qualidade e precisa ser desfrutado ainda hoje. Portanto: “Cristianismo vintage: uma série de estudos na carta de Tiago”.

Por que Tiago?


Há pelo menos três boas razões para nós nos dedicarmos ao estudo da carta de Tiago.

    É o primeiro documento inspirado do Novo Testamento, escrito por volta de 45 d.C. É o texto mais antigo, e já que o vintage está na moda, por que não Tiago? Nesse sentido, Tiago é o que há de mais “vintage” no Novo Testamento.
    É uma carta muito prática. Surpreendentemente prática. Nós que vivemos em uma época prática; tão prática que a maioria das pessoas normalmente e infelizmente é impaciente com a pura doutrina, precisamos da praticidade de Tiago.
    É uma carta escrita por um dos irmãos de Jesus. É possível que Tiago fosse o irmão mais velho, uma vez que ele encabeça a lista de nomes dos irmãos – “Tiago, José, Simão e Judas” (Mt 13.55-56; Mc 6.3).

Pois bem, a carta que nós temos diante de nós é muito especial. Além de ser inspirada por Deus, de ser a mais antiga do Novo Testamento e de ser distintamente prática, a carta de Tiago foi lavrada pelo irmão mais velho de Jesus. Pense por um instante sobre isso. É fascinante. Principalmente quando nós levamos em conta algo da intimidade daquela família.

Jesus cresceu em um lar pobre, o que se acentuava pelo número de membros daquela família. Faça as contas: José + Maria + Jesus + Tiago + José + Simão + Judas + duas irmãs (no mínimo) = 9 pessoas sob o mesmo teto! Sabe o que isso significa? Tiago dividiu, por quase 30 anos, não apenas o mesmo lar, mas o mesmo quarto e as mesmas atividades com Jesus (afinal, Tiago era o mais velho depois de Jesus e, com certeza, o mais próximo em função da idade). Foi muita intimidade!

A proximidade entre Jesus e Tiago era tamanha que não há dúvidas sobre a influência dos ensinos do Senhor na vida do irmão. Por exemplo, uma contagem revelará que há pelo menos 20 pontos em comum entre os ensinos de Tiago e alguns dos ensinos de Jesus no Sermão do Monte.

Agora, espere um pouco! O evangelho de Mateus (cerca de 60 d.C.) não foi escrito depois que a carta de Tiago (cerca de 45 d.C.) foi escrita, pelo menos 15 anos depois? Sim. Outra coisa. Tiago não se converteu somente após a morte e a ressurreição de Jesus? De novo, sim. Então, como é possível haver na sua carta tantos ensinos em comum com o Sermão do Monte?

Claro que após a sua conversão a Cristo, Tiago deve ter se dedicado ao estudo dos ensinos de Jesus que à época circulavam através da tradição oral dos apóstolos. No entanto, penso haver algo mais no caso de Tiago. Acredito que, desde a infância, ele, mesmo que com relutância, já ouvia Jesus esboçar o que viera para ensinar. Tiago e os demais devem ter ouvido de primeira mão os principais pensamentos e ensinamentos de Jesus acerca do Reino de Deus. Isso não é maravilhoso? É para mim e creio que deve ser para todos.

Pois bem, além de inspirado, Tiago é vintage (antigo, mas de excelente qualidade), é prático (para uma época prática como a nossa) e vem do coração de quem conviveu bem de perto com Jesus Cristo (de um irmão).

Cristianismo vintage

Em época tão confusa como a nossa, tão carente de caráter e de consistência, o cristianismo poucas vezes foi tão necessário. Digo necessário não porque houve um tempo em que ele não tivesse sido, mas porque neste tempo ele tem sido tão criticado, tão renegado e tão deturpado que precisa ser urgentemente redescoberto.

Esse cristianismo “antigo mas de excelente qualidade” é o que nós temos em Tiago. Cristianismo vintage é o que nós precisamos. Então, o que há de vintage em Tiago? O que há de antigo mas de excelente qualidade na carta escrita pelo irmão mais velho depois de Jesus? Vejamos a carta como um todo antes de mergulharmos em seus detalhes, e descubramos o que é “Cristianismo vintage”.

1. Cristianismo vintage remete à obediência

Tiago usa mais de 50 imperativos em seus curtos 5 capítulos e 108 versículos, perfazendo média de 1 imperativo para cada 2 versículos. Não resta dúvida, o cristão precisa ser obediente. Deus falou, nós obedecemos. Sem questionamentos. Um exemplo…

Tg 1.19-25 | 19 Meus amados irmãos, tenham isto em mente: Sejam todos prontos para ouvir, tardios para falar e tardios para irar-se, 20 pois a ira do homem não produz a justiça de Deus. 21 Portanto, livrem-se de toda impureza moral e da maldade que prevalece, e aceitem humildemente a palavra implantada em vocês, a qual é poderosa para salvá-los. 22 Sejam praticantes da palavra, e não apenas ouvintes, enganando-se a si mesmos. 23 Aquele que ouve a palavra, mas não a põe em prática, é semelhante a um homem que olha a sua face num espelho 24 e, depois de olhar para si mesmo, sai e logo esquece a sua aparência. 25 Mas o homem que observa atentamente a lei perfeita, que traz a liberdade, e persevera na prática dessa lei, não esquecendo o que ouviu mas praticando-o, será feliz naquilo que fizer.

James Montgomery Boice, em sua exposição da carta de Tiago, afirma que, por ser tão prática, é surpreendente que ela não seja mais popular. Afinal, nós vivemos em uma época prática. Por que Tiago não é tão popular?

Eu acredito que o problema é exatamente esse. Ele é prático demais ao lidar com os nossos defeitos, erros e pecados pessoais. Tiago é tão prático e direto que nós não podemos escapar com facilidade de suas exortações e de seus ensinamentos.

A praticidade de Tiago nos incomoda. Li sobre a história de um pregador batista do sul dos EUA. No seu sermão, quando ele apontava o pecado dos jogos de azar, uma mulher, sentada na fila da frente, exclamava: “Pregue sobre isso, irmão!”. Em seguida, enquanto ele exortava sobre o pecado da embriagues, ela falou: “Amém, irmão!”. Depois foi a vez de ele condenar a imoralidade sexual, ao que ela exaltou: “Aleluia!”. Até que o pastor mudou de assunto e passou a condenar a fofoca. Foi quando lá do púlpito ele pôde ver a mulher se inclinando para a irmã ao lado dela e ler seus lábios dizendo: “Xi! Agora ele começou a ficar moralista demais. Não está pregando, ele está se intrometendo. Detesto moralismo!”

De tão prático e pontual, Tiago se torna um incômodo para muita gente. Cristianismo vintage, no entanto, nos remete à obediência, à prática dos imperativos de Deus. Não podemos ser apenas ouvintes, mas praticantes da Palavra. Obedientes a Deus.

2. Cristianismo vintage recomenda a convivência

É impressionante como que, na era das redes sociais, nós nos tornamos tão antissociais. Relacionamo-nos virtualmente. Somos superficiais. Frios. Distantes. Tudo porque não sabemos ficar sozinho. Estamos sempre “conectados”.

Richard J. Foster, no livro Celebração da Disciplina, dentre outras coisas, fala de solitude. Ele aponta que Dietrich Bonhoeffer (Vida em Comunhão, Ed. Sinodal) deu a um de seus capítulos o título de “O Dia Juntos”, e com percepção intitulou o capítulo seguinte “O Dia Sozinho”. Ambos são fundamentais para o êxito espiritual. Bonhoeffer escreveu que

Aquele que não consegue estar sozinho, tome cuidado com a comunidade. … Aquele que não vive em comunidade, cuidado com o estar sozinho. … Cada uma dessas situações tem, de si mesma, profundas ciladas e perigos. Quem desejar a comunhão sem solitude mergulha no vazio de palavras e sentimentos, e quem busca a solitude sem comunhão perece no abismo da vaidade, da autoexaltação e do desespero.

Baseado nessas palavras, Richard J. Foster conclui:

Portanto, se desejarmos estar com os outros de modo significativo, devemos buscar o silêncio recriador da solitude. Se desejamos estar sozinhos em segurança, devemos buscar a companhia e a responsabilidade dos outros. Se desejamos viver em obediência, devemos cultivar a ambos.

Tiago, com seu cristianismo vintage, nos recomenda a convivência. Em 108 versículos, ele usa 15 vezes o substantivo “irmãos” para se dirigir aos seus leitores – a média é de uma vez a cada 7 versículos. Das 15 vezes, em 3 ocasiões ele acrescenta o adjetivo “amados”, e na maioria das vezes ele usa o pronome possessivo “meus” – “Meus irmãs”; “Meus amados irmãos”.

Como eu gosto disso em Tiago! Ele é carinhoso. Ele é terno. Ele é pessoal. Ele é cuidadoso. Todas essas, qualidades de alguém que vive e recomenda a comunhão. Alguém com a alma pacificada. Um pacificador. Precisamos de cristãos assim. Aliás, cristãos devem ser assim. O oposto disso não é cristianismo.

Além de destacar as qualidades de alguém que preza pela convivência, Tiago também apresenta a necessidade da regularidade das reuniões, dos cultos coletivos da igreja. Isso pode ser visto no capítulo 2, onde se lê:

Tg 2.2 | Suponham que na reunião [synanōgēn] de vocês entre um homem…

Tiago recomenda a convivência, a reunião coletiva, a assembleia dos santos para oração, adoração, pregação, ceia, ofertório, convivência, testemunhos, enfim, para tudo o que está envolvido no culto cristão.

Mais tarde, quando dirigia o Concílio de Jerusalém, ele deixou muito claro a sua visão de comunhão, de integração e de convivência na igreja.

At 15.13-19 | 13 Quando terminaram de falar, Tiago tomou a palavra e disse: “Irmãos, ouçam-me. 14 Simão nos expôs como Deus, no princípio, voltou-se para os gentios a fim de reunir [apanhar com se apanha peixes na rede – Lc 5.5] dentre as nações um povo para o seu nome. 15 Concordam com isso as palavras dos profetas, conforme está escrito: (…) 18 conhecidas desde os tempos antigos. 19 “Portanto, julgo que não devemos pôr dificuldades aos gentios que estão se convertendo a Deus.

Deus nos chama e nos reúne para a comunhão. Cristianismo vintage, portanto, nos recomenda a convivência.

3. Cristianismo vintage requer coerência

Parece que os dois últimos versículos do capítulo 1 de Tiago resumem bem a mensagem da carta como um todo.

Tg 1.26-27 | 26 Se alguém se considera religioso, mas não refreia a sua língua, engana-se a si mesmo. Sua religião não tem valor algum! 27 A religião que Deus, o nosso Pai, aceita como pura e imaculada é esta: cuidar dos órfãos e das viúvas em suas dificuldades e não se deixar corromper pelo mundo.

Nesses versículos ele estabelece um contraste entre a religião verdadeira e a falsa. Tiago fala de coerência. Podemos pensar e proclamar que somos religiosos, porém, a menos que a nossa religião seja marcada por certas características nítidas, estamos enganando a nós mesmos e a nossa “religião não tem valor algum”.

Para Tiago, a espiritualidade cristão se apoia no amor (obras) e o amor se expressa em três características distintas:

Refrear a língua – falar em amor.

Cuidar dos órfãos e das viúvas – servir em amor.

Não se corromper com o mundo – consagrar-se a Deus em amor.

Cristianismo vintage requer coerência, exige uma vida pautada pelo amor – falar em amor, servir em amor, consagrar-se a Deus em amor. Se não for assim, a nossa fé não terá qualquer valor. Fé sem obras (amor) é morta (Tg 2.14-26). A fé precisa ter coerência.

4. Cristianismo vintage representa confiança

Cristianismo vintage representa confiança. Confiança em Cristo.

Confiança em Cristo como Salvador

Tg 2.1 | Meus irmãos, como crentes em nosso glorioso Senhor Jesus Cristo…

Confiança em Cristo como Senhor

Tg 1.1 | Tiago, servo de Deus e do Senhor Jesus Cristo…

Confiança em Cristo como fundamento ético e moral

Tiago conhecia a fundo tanto o Sermão do Monte como os outros discursos de Jesus. Já dissemos que há mais de 20 citações diretas e indiretas do Mestre.

É bem verdade que em nenhum momento Tiago citou formalmente o Senhor, mas ele estava tão impregnado do ensino de Cristo que passou a refleti-lo automaticamente em suas posturas e palavras.

Confiança em Cristo para a satisfação da alma

Tiago condena veementemente a fragilidade dos planos humanos (4.13-17), a instabilidade da riqueza (1.9-11), a infelicidade do orgulho por causa da posição social (2.1-11) e a impiedade da exploração de mão de obra (5.16).

É como se ele estivesse destruindo um a um dos principais ídolos do nosso tempo: o ego, o dinheiro, o consumo, o prestígio e a exploração.

O chamado de Tiago é para nos tornarmos filhos e servos de Jesus, para fundamentarmos a nossa vida nos ensinos de Jesus e para satisfazermos a nossa alma em Jesus, não em produtos, pessoas ou posições.

Cristianismo vintage representa confiança. Confiança em Jesus.

5. Cristianismo vintage reforça a perseverança

Por fim, mas não menos importante, Tiago nos ensina que cristianismo vintage reforça a perseverança.

Perseverança para vencer as provações

Tg 1.2-8 | 2 Meus irmãos, considerem motivo de grande alegria o fato de passarem por diversas provações, 3 pois vocês sabem que a prova da sua fé produz perseverança. 4 E a perseverança deve ter ação completa, a fim de que vocês sejam maduros e íntegros, sem lhes faltar coisa alguma. 5 Se algum de vocês tem falta de sabedoria, peça-a a Deus, que a todos dá livremente, de boa vontade; e lhe será concedida. 6 Peça-a, porém, com fé, sem duvidar, pois aquele que duvida é semelhante à onda do mar, levada e agitada pelo vento. 7 Não pense tal pessoa que receberá coisa alguma do Senhor, 8 pois tem mente dividida e é instável em tudo o que faz.

Perseverança para vencer os pecados

Tg 4.7-10 | 7 Portanto, submetam-se a Deus. Resistam ao Diabo, e ele fugirá de vocês. 8 Aproximem-se de Deus, e ele se aproximará de vocês! Pecadores, limpem as mãos, e vocês, que têm a mente dividida, purifiquem o coração. 9 Entristeçam-se, lamentem-se e chorem. Troquem o riso por lamento e a alegria por tristeza. 10 Humilhem-se diante do Senhor, e ele os exaltará.

Cristianismo vintage reforça a perseverança. Perseverança para vencer os principais adversários do crescimento e do amadurecimento cristãos. As provações queimam as nossas raízes e os pecados sufocam as nossas folhas. Ambos esterilizam. Ambos matam. Ambos destroem. Tiago diz que devemos perseverar. Como? Recebendo e permanecendo em Jesus. João disse assim:

Jo 1.12 | Contudo, aos que o receberam, aos que creram em seu nome, deu-lhes o direito [exousian – poder, autoridade] de se tornarem filhos de Deus.

Essa palavra foi usada em outro contexto, o que nos ajuda a entender melhor o seu significado.

Lc 12.5 | Mas eu lhes mostrarei a quem vocês devem temer: temam aquele que, depois de matar o corpo, tem poder [exousian – direito, autoridade] para lançar no inferno. Sim, eu lhes digo, esse vocês devem temer.

Creia, receba a Cristo e obtenha poder para perseverar.

Cristianismo vintage

Deus permitindo, nós seguiremos a estrada pela carta de Tiago. Por ora, espero em Deus que você tenha sido convencido da necessidade que temos de um cristianismo de excelente qualidade, do cristianismo vintage, do cristianismo apresentado por Tiago – que prega obediência, convivência, coerência, confiança e perseverança em Jesus Cristo.

Pastor Leandro Peixoto de Campina Grande, PB.


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