A vida pode ser uma tragédia



Wilma Rejane

A vida só existe porque também há morte; inversos que tragicamente se completam para dar continuidade a espécie humana. Como o dia, em que brilha o sol, devolvendo o azul claro do céu, tão somente porque existe a noite. E a alegria só se torna possível porque há tristeza. A vida pode parecer óbvia, mas é indecifrável pela presença do inesperado.  E os inesperados da vida, muitas vezes, são considerados tragédia.

O que de fato é uma tragédia? A palavra " tragoedia" tem origem grega e era aplicada a festas em que o canto, a música, era a principal atração. Porém, e de repente, surgia entre os cantores, um animal chamado bode. "tragos = bode e oedia =canto". Portanto, tragédia se caracteriza como uma grande e alegre festa, de final triste, porque o bode era sacrificado como forma de punição por devastar as videiras dos deuses festivos. Tragédia é tudo que se opõe a alegria. É o elemento inesperado que devasta o riso (simbolizado pelo vinho, videira). Ė o sacrifício da vida embutido de angústia pela perda; o riso se vai e a tristeza ocupa seu rastro, transpondo um caminho desconhecido.


A vida pode ser uma tragédia diária, pois, a todo momento, em todo o mundo, pessoas se deparam com acontecimentos inesperados que provocam dor e lamento. Somos capazes de superar tragédias? Claro que somos! Não temos o poder de evitar certos acontecimentos, mas temos um Deus que nos dá forças em meio a dor. Somente o amor de Deus arraigado em nosso coração é capaz de trazer à memória aquilo que nos dá esperança ( Lamentações 3:21). Somos fracos. É um engano pensar que qualquer religião ou crença nos imunizará do sofrimento.

Deixe-me contar algo incrível: é bem provável que nas  tragédias, exatamente nesse lugar desconfortável, descubramos nossa fé e força.  Assim aconteceu com o  teólogo alemão Jurgen Moltmann (1926) . Quando Moltmann se tornou prisioneiro de guerra, encerrado em um campo de concentração inglês, ele afirmou:“ Vi homens nos campos que haviam perdido a esperança. Eles simplesmente se entregavam e morriam. Mas eu procurei viver trazendo à minha memória momentos de minha infância. Na minha lembrança, me via garoto olhando na janela da casa dos meus pais para as florestas que cortavam o horizonte distante do Norte da Alemanha. Ali, as planícies eram vastas e o céu imenso. O horizonte era o limite que não aprisionava; pelo contrário, me convidava a ir além. Aquele menino tinha muita curiosidade de saber o que havia do outro lado do horizonte".


Moltmann quis se manter vivo para descobrir o que havia do outro lado do horizonte. Isso é curioso, porque a morte poderia ser a forma mais fácil de se descobrir, mas se assim o fizesse, estaria matando também suas lembranças. Ele precisou ser forte e como fortalezas exigem alicerce, sua mente se revestiu de boas lembranças. O horizonte se abria para ele, na vida adulta, para responder pendências da infância. Prosseguir era uma necessidade.

Deus é a real e viva esperança. Sem Ele lembranças são apenas lembranças estacionadas em algum lugar do passado. Ė a fé que traz à nossa memória que Deus pode restaurar qualquer situação de dor. Ė a fé que aponta para um horizonte iluminado, mesmo quando o caminho se mostra escuro.

Não falo de um triunfalismo cego, de emoções fluídas, de ilusão. Falo de um Deus que em meio a uma grande tragédia, ressurgiu com a maior de todas as vitórias! De um que entregou seu bem mais precioso, Seu único filho para ser sacrificado pelos pecados dos homens. Quanta dor sofreu Jesus! Contudo, ao ressuscitar Ele trouxe de volta toda esperança de Salvação!

A vida pode ser uma tragédia, mas a lembrança constante de que Deus restaura a vida humana, é motivadora. Não será uma tragédia encontrar sentido nas coisas simples enquanto as " tragédias" surgem com a intenção de ocupar nosso universo.

Que nosso bom Deus nos sustente, sempre.

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