Coisas que o autismo me ensinou


Wilma Rejane


Anos atrás uma leitora me perguntou com certo tom de indignação: "Você escreve sobre fé e congregar como se tudo fosse bom e agradável, o que tem a dizer sobre autismo? Convivo diariamente com crianças autistas e sei das dificuldades dessas pessoas para viverem uma vida normal, a igreja fala pouco sobre isso e também não sabe como lidar com as crianças com esse problema". Na época (ano de 2012), respondi que tinha uma sobrinha autista e também alguns alunos, aquilo não era um problema tão distante para mim. Olhando para o passado percebo o quanto minha resposta, de fato, estava vazia de vivência e de engajamento na causa. Atualmente, falo com propriedade: sei o que é autismo, tenho uma neta com o Espectro Autista (TEA), é uma neta que cuido como filha, pois, temos uma ligação de amor muito profunda. 

Minha neta se chama Sabryna, tem quatro aninhos, mudou a rotina da família completamente e apesar de exigir muito de meu tempo, não me cansa porque cada sorriso e gesto seus são para mim um presente de Deus.  Sabryna me ensinou muitas coisas, o espaço aqui se torna modesto para descrever o quanto aprendi e aprendo todos os dias com o autismo. Contudo, em poucas linhas, procurarei compartilhar sobre o aprendizado com o autismo. Inicialmente, vejo o autismo como um grande mistério, em termos de ciência e de fé. Não há descobertas antigas ou recentes que apontem para um diagnóstico preciso, uma motivação, causa, o que seja. O que existem são hipóteses que não se confirmam. E tratar algo que se desconhece a causa é desafiador. O símbolo do autismo como um "quebra-cabeça" é justo, pois, quem convive de perto com autistas sabe da complexidade que é lidar com eles. 

O autismo chega para aumentar minhas convicções sobre a perfeição de Deus: ninguém consegue desvelar aquilo que Deus colocou entre nós como "diferente" e nessa diferença, Deus mostra Sua perfeição. A "perfeição" de não ser autista, de falar, andar, compreender, enxergar o mundo com normalidade. Contudo, a "imperfeição" do autista revela Deus, Ser Supremo que está no outro, como diferente, sendo igual. É igual porque é criação Divina, dotado de espírito humano, uma pureza sem par, que não se encontra nos "normais". O autista percebe os detalhes, abraça porque quer abraçar, ama sem interesse, apenas porque quer amar. E embora não entendendo nitidamente o significado dos sentimentos, ensina como ninguém o que é sentir. Somente a intensidade do amor resgata o autista para o outro lado do mundo, do humano, dos olhares que olham e percebem o que o autista não vê. 


É que o autista percebe os detalhes, o que não importa para a maioria. É preciso está no mundo do autista sem deixar de está no mundo que não pertence a eles. Confesso que esta não é tarefa das mais fáceis, entre terapias, medicamentos, esforços por comunicar-se e ser entendido, o autismo ensina que  o "mundo dos normais" parece ser doloroso em demasia; por querer moldar o que para eles é normal, é comum. É doloroso porque as imperfeições não parecem incomodar os autistas, eles sequer compreendem o preconceito que muitas vezes sofrem, não entendem a maldade porque são incapazes de praticá-las. Minha neta, por exemplo, corre pela igreja aos domingos, assim que o coral começa a cantar, ela corre para o piano, quer tocar, quer participar. Ela ama música, tem facilidade para aprender letras e entonações, mas ainda não fala frases, não responde a um bom dia. E alguns irmãos parecem se incomodar com a alegria da Sabryna, para eles tudo tem que está dentro da "normalidade", Sabryna correndo na igreja é "falta de reverência". E ela não se incomoda com os olhares atravessados e o preconceito porque não entende essa linguagem que não faz parte de seu repertório.

Enfim, sem me alongar, reitero que muito tenho aprendido com o autismo, é uma grande oportunidade para se a amar os "diferentes". Meu mundo nunca mais foi o mesmo desde que Deus me deu uma neta autista, tenho enxergado muitas coisas pela perspectiva do autismo, dessa forma, vejo Deus nos detalhes, onde talvez Ele pareça não está, onde ainda O buscam. E assim o Deus perfeito e bondoso também nos fala sobre amor.  Muitas vezes, quando estou na igreja, lembro da pergunta que abre esse artigo, feita em 2012 pela leitora. De fato, existe muita carência na igreja (e na sociedade de modo geral) sobre o tratamento adequado destinado aos autistas. Desinformação, falta de capacitação, em alguns casos, falta de amor mesmo. Todo esse contexto faz com que pais (e cuidadores) de autistas sintam-se no dever de repetidas vezes explicar o porque de determinados comportamentos. 

Á todos os leitores que têm parentes autistas, minhas sinceras considerações, meu afeto. A caminhada não é fácil, mas Deus está nesse caminho, de um universo diferente.

Cria em mim um coração puro, ó Deus,
e renova dentro de mim um espírito estável. 
Salmos 51:10

Deus nos abençoe, com Seu eterno amor

Outro artigo do blog sobre autismo: Considerações sobre o autismo




2 comentários:

Vovó Rosana Orcini disse...

Que bom ler seu texto. Sou vovó tbem. E apenas não vivi ainda essa percepção ref a igreja, mas vivo diariamente todos os sentimentos que percebi aqui. Obrigada. Realmente Deus é Deus! Ser Supremo! Temos anjos vovó e fomos escolhidos para viver toda essa pureza e complexidade porque Deus está ligado em nós. ❤

Wilma Rejane disse...



Oi vovó Rosana Orcini,

Que bom encontrar uma vovó que também foi escolhida para aprender muito sobre amor com o autismo!

Deus abençoe sua vida, vovó Rosana e de sua família.

Tenro abraço.